Alguns anos atrás, no auge da minha adolescência e cheia de ideias revolucionárias, feministas e de esquerda (sim, sim… fui militante e fiz passeata com PT e MST gritando “fora FHC e FMI”), eu me deparei com uma verdade surpreendente e reveladora em uma das passagens bíblicas mais conhecidas sobre a mulher.
Eu havia resolvido alargar meus conhecimentos e decidi fazer algumas matérias avulsas em um seminário local. Uma das disciplinas era chamada “Hermenêutica” e, embora de nome um tanto quanto intimidador, era uma matéria bem prática que nos levava a extrair lições profundas da Palavra pelo simples estudo organizado dela. Ouso dizer que essa deveria ser matéria obrigatória em todas as EBDs e uma prática diária de cada crente.
Confesso que há muito não aplico com disciplina e diligência os princípios de leitura e interpretação da Bíblia ali aprendidos. Mas essa lição aprendida há 10 anos foi muito reveladora para mim e quero compartilhar com vocês. Prometo não me delongar nas especificidades teológicas típicas de seminário, mas apenas usar o necessário para ajudá-las a enxergar a verdade de Deus que eu enxerguei naquele dia:
“Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”. Gênesis 2:18
Essa é a primeira descrição feita acerca da primeira mulher. E não é só uma descrição, como também atribuição de papel e de identidade!
O pano de fundo para o verso acima é a criação – Deus cria tudo, planta o jardim do Éden, entrega a administração para Adão e na sequência decide que ele não deve ficar só, mas necessita uma “auxiliadora” que lhe seja “idônea”.
A palavra auxiliadora tem sido motivo de desconforto e irritação para muitas mulheres, especialmente nas últimas gerações, pelo entendimento dela como legitimação da desigualdade, machismo, maus tratos e opressão da mulher. E foi exatamente ao estudar esta palavra que me deparei com uma verdade reveladora, libertadora e de muita responsabilidade acerca do que é ser mulher, do desenho original projetado por Deus na criação.
De acordo com os dicionários da Língua Portuguesa, o significado da palavra auxiliadora é o de alguém que oferece ajuda, suporte, assistência, socorro e/ou apoio a outro que dele precisa. Embora este seja o sentido puro da palavra, em nossa cultura o termo auxiliar tem uma conotação um pouco diferente. Existe um tom de inferioridade em designar alguém como auxiliar. Em geral, é um termo usado para designar funções inferiores em uma escala de hierarquias (ex. auxiliar de enfermagem, auxiliar de escritório, auxiliar de serviços gerais etc..). É como se o auxiliar não fosse completo e por isso é o “quebra-galho” do titular (ex. enfermeiro padrão). O curioso dessa conotação da palavra é que, na verdade, quem poderia ser considerado incompleto ou inferior é aquele que necessita do auxílio e não quem o oferece.
Durante todo o processo de criação, Deus termina cada dia olhando o que tinha feito e concluindo que “era bom”. A primeira vez que Deus se refere a algo “não bom” em sua criação, é a solidão do homem.
Então Ele decide levar Adão à mesma conclusão e a perceber a necessidade de uma auxiliadora, e até mesmo desejá-la. Primeiro, Deus lhe entrega a administração de toda sua criação, uma tarefa por demais grandiosa, que exige uma multiplicidade de habilidades das quais, com certeza, ele não dispõe e a qual, com certeza é incapaz de cumprir sozinho, e fadado a sucumbir. Segundo, Deus o faz contemplar todos os animais e perceber que cada um tem seu igual, e assim podem cumprir seu propósito na criação. Então o homem se sente só e está pronto para receber a mulher.
Mas a grande “sacada”, para mim, vem agora. Não quero aqui discorrer sobre a relação homem/mulher, seus papéis e disputas etc. Sobre isso já se fala bastante. O que me atingiu em cheio foi a relação mulher e Deus. Homem e mulher foram feitos à imagem de Deus e a mulher foi feita “auxiliadora”. Percebeu?
A palavra hebraica usada para descrever a mulher como auxiliadora, ezer, é a mesma usada para Deus ao descrever uma de suas características no trato com o homem. Por todo o Antigo Testamento, especialmente nos Salmos e nos Profetas, Deus é chamado de “o ajudador”, seja como auxílio, amparo, apoio, companhia, ajuda e socorro físico e espiritual, quanto força e apoio militar nos momentos de guerra. Os Salmos são as passagens onde há o maior número de vezes a menção desse Deus ajudador, expresso em termos íntimos de relacionamento de amizade, consolo, abrigo e companheirismo.
É marcadamente notável que a mesma palavra usada para descrever a ação de Deus para com a humanidade, é usada para descrever o papel da mulher para com o homem – ajudadora.
Mas não é só Deus Pai que é descrito como ajudador. O mesmo se observa em Jesus e sua relação com os homens. A impotência, imperfeição, e “incompletude” do homem que necessita de ajuda, que sucumbe por si só, é suprida por Jesus, nosso Ajudador. Sem a sua ajuda é impossível chegar a Deus, cumprir o propósito para o qual fomos criados e sequer viver uma vida digna.
Seu sacrifício, obra que só ele era capaz de fazer, é o que nos torna aptos à salvação. Ele é nosso auxílio para salvação, mas também para a vida diária, em todas as alegrias e lutas, como companheiro leal, forte, conselheiro e amoroso.
Voltando ao verso da criação, a ideia de serviço e honra prestados pela mulher ao homem do qual foi criada é a mesma de Jesus, gerado do Pai, que a Ele serve e honra com toda plenitude e perfeição. Jesus é o modelo maior de submissão e serviço, que não é diminuído pela sua posição, pelo contrário, está sentado à destra de Deus e com ele governa por toda eternidade. Assim como o Filho foi gerado pelo Pai, é um com Ele e não inferior, e ao mesmo tempo lhe obedece e o honra, a mulher também foi feita do homem, o ajuda, faz-lhe companhia e lhe deve honra.
Considerando a ação de Deus como ajudador, é possível imaginar que as mulheres devam ter uma disposição mais benevolente e compassiva. Devemos estar sempre prontas a ajudar e a socorrer não só ao homem, mas a todo necessitado e todos em aflição. Talvez seja por isso que Paulo insiste nas boas obras por parte das mulheres como padrão de comportamento e como característica delimitadora do papel da mulher na igreja.
Ao homem foram dados outros papéis e outros atributos de Deus a serem refletidos. Mas nós mulheres, quando somos auxiliadoras, copiamos, refletimos o próprio Deus! Isso é muito mais do que simples disputa de gêneros. O papel da mulher como auxiliadora se estende a toda humanidade.
Enquanto propósito divino para a mulher, posso afirmar com certeza que é seu papel ser de socorro, apoio e ajuda para o homem – humanidade. À mulher não foi apenas ordenado, mas também estão potencializadas as habilidades de ser acolhedora e disponível como um boa ajudadora.
“A palavra ‘ezer’ [auxiliadora] é uma manifestação da imagem divina na natureza da mulher”. Fernando Meyer
É definitivamente uma honra para qualquer mulher viver esta verdade!
Fotografia: BulandHausleNGO
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