Foi no fim de 2015 que perdemos um bem precioso em nossa casa: a caneleira. Também chamada de “pé de canela”, essa árvore marcou a minha adolescência. Com caule grosso e copa frondosa, a caneleira cumpria várias funções importantes. Em primeiro lugar, proporcionava sombra no quintal nos dias de muito calor (ou seja, quase todos os dias, visto que moramos em Manaus). Em segundo lugar, abrigava os pássaros que até hoje visitam o jardim cultivado pela minha mãe. Outra função inesquecível era o chá feito com as folhas, que além de ser uma delícia, ainda perfumava o interior da casa. Aliás, foi sentindo o cheiro dessas folhas que aprendi a gostar de chá.
Por essas razões, foi um choque chegar em casa e perceber que estávamos sem aquela árvore no seu devido lugar, cumprindo o papel que esperávamos. Fiquei olhando o espaço vazio e a pergunta foi inevitável: “Mãe, o que houve com a caneleira?”. E então ouvi que o caule e os galhos haviam secado repentinamente, provavelmente como resultado de um adubo inadequado usado por um prestador de serviço. Lamentei e notei que os pedaços da árvore estavam no chão, sem vida, sem movimento, sem o som do balançar das folhas. Uma cena triste de se ver.
Mas passados alguns dias, no mês de dezembro, cheguei em casa e notei que minha mãe estava muito entusiasmada com a criação da decoração natalina. Como de costume, ela estava criando sua própria árvore para enfeitar a nossa casa. E quando cheguei mais perto da obra-prima, ela me explicou a inovação daquele ano: “Transformei os galhos da caneleira em árvore de Natal! Não ficou bonita?!”. Sem dúvida, posso dizer que aquela caneleira morta tornou-se a mais linda de todas as decorações que minha mãe já havia criado. Os galhos foram pintados de branco pra receber as bolas douradas, as vermelhas e o pisca-pisca. E quando as festas chegaram, todos os tios, primos e agregados ficaram impressionados ao ver o produto final. Foi grande a disputa pra tirar fotos com a caneleira “morta”.

“Caneleira morta” – acervo da autora
Mas por que estou contando essa história? Porque gostaria de compartilhar com você algumas lições aprendidas nesse episódio. Eu, que sempre estabeleci um alto nível de exigência sobre minha rotina e meus resultados, compreendi que é impossível atender a todas as expectativas. Ainda que me sentisse uma mulher forte e resoluta na maior parte do tempo, nem sempre eu conseguia ser a “sombra agradável” que as pessoas buscavam. Apesar de todas as habilidades e percepções que Deus entregou às mulheres, não devemos aceitar a escravidão das expectativas e das convenções sociais.
Somos talentosas em acolher e abrigar com amor? Sim, nós somos. Temos sensibilidade para ouvir e força para servir intensamente aos pais, filhos, amigos, gestores, líderes, namorado, marido? Sim, a doação incondicional é um traço de muitas mulheres. Mas é saudável lembrar que somos frágeis e precisamos respeitar nossos limites. Descansar no fim de semana, distribuir tarefas em casa e no trabalho e ter humildade para pedir ajuda não deveriam ser escolhas assimiladas como “fraqueza” por muitas de nós. Ao contrário, são decisões que nos protegem, reforçam nosso valor e dão oportunidades para que outros também aprendam a ser sombra e suporte.
A partir da morte da caneleira, pude ainda lembrar que Deus tem um propósito diferente para cada ser vivo. Cada um de nós tem uma estrutura, uma missão, uma forma de reagir ante aos adubos recebidos na trajetória. Todos somos suscetíveis à queda e ela acontece em tempos distintos e de formas distintas. Se assimilarmos essa verdade, abriremos mão de gerar comparações entre pessoas. Veremos que não precisamos ter o mesmo destino e vocação de outras mulheres que admiramos. Perceberemos também que nosso papel é singular e jamais teremos a estrutura física e emocional de um homem.
Ao refletir sobre a caneleira natalina, chego à conclusão que há belezas que só aparecem quando estamos no chão: quando somos afligidos por situações que aparentemente nos deixam sem movimento, sem cheiro e sem sabor. Por mais improvável que possa parecer, é possível sorrir no momento da morte. Sorrir com a esperança de que o Criador sabe como restaurar o que está velho e quebrado em algo novo. Precisamos contemplar os galhos secos com a convicção de que eles são peças de uma decoração perfeita. E em breve poderemos conhecê-la em sua totalidade.
Então olharemos para nós e não veremos mais árvores convencionais; tampouco inquebráveis. Com um sorriso de tranquilidade, teremos paz para admirar homens e mulheres brilhantes e valorizar o que temos de diferente. E saberemos que ventos contrários ou adubos maléficos servem apenas para descortinar a beleza, o valor e o propósito de cada uma de nós.
Fotografia: Pixabay
Esta frase me paralisou: “Apesar de todas as habilidades e percepções que Deus entregou às mulheres, não devemos aceitar a escravidão das expectativas e das convenções sociais.” Muito boa!
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Obrigada por ler, Mônica!
O que me alegra é saber que temos uma escolha diante das pressões externas 😉
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