Ainda esses dias, assisti um documentário interessante na rede de televisão Al Jazeera. O documentário acompanhava a vida de um jovem sul-coreano que recusou o alistamento militar por conta de suas crenças antiviolência, ou seja, de um objetor de consciência. Por definição, objetores de consciência são pessoas adeptas de princípios religiosos, morais ou éticos de sua consciência, cuja natureza é incompatível com o serviço militar ou outras organizações combatentes.
A Coréia do Sul está em guerra com seu vizinho do norte há mais de 50 anos, daí a constante tensão entre ambos os países e a relevância da manutenção do aparato militar. Manter o Exército de prontidão não é tarefa fácil; além dos investimentos bilionários em tecnologia bélica e constante vigilância nas zonas geográficas críticas, idas e vindas de agentes de inteligência, e olhos bem abertos para qualquer movimento do inimigo no cenário mundial, é necessário ter mão-de-obra bem treinada e pronta para a batalha. Na Coréia do Sul, portanto, não é de surpreender que o serviço militar seja obrigatório e que tenha impacto na vida civil dos sul-coreanos.
Jovens que não aceitam alistar-se são submetidos a penas duras de prisão e prestação do que eles chamam de serviços alternativos, ao lado, claro, de bandidos comuns. Ou seja, rapazes que não querem ter sangue nas mãos acabam dividindo celas com assassinos, sequestradores, serial killers, assaltantes e traficantes de drogas e têm seus registros criminais como qualquer outro malfeitor convicto, o que traz consequências devastadoras para a vida civil e torna muito difícil ao objetor de consciência reconstruir sua vida após o cumprimento da pena.
Certamente que existem aqueles que não querem ir porque não querem se machucar (o documentário traz o relato de um jovem receoso da violência do treinamento militar e do tratamento dado aos recrutas). Mas a grande maioria, conforme fui pesquisar, é realmente de jovens com convicções religiosas, como budistas, esotéricos, adeptos de filosofias de vida pacifistas e cristãos de diversas denominações.
Com a atenção crescente que os objetores de consciência vêm ganhando na grande mídia, inclusive com suporte de organizações defensoras dos Direitos Humanos, o governo sul-coreano começou a apertar o cerco sobre esses jovens pois, segundo as autoridades, muitos estariam se fazendo passar por religiosos para ter suas penas reduzidas ou, se possível, anuladas. O processo de pente fino, segundo relatos, é bastante criterioso; o jovem tem que provar vínculo com igrejas, cartas pastorais e de recomendação de seus líderes espirituais, precisa de muitas testemunhas para falar em seu favor, apresentar evidências de engajamento com as atividades da igreja e frequência às reuniões além, claro, de mostrar sua devoção no comportamento diário porque, afinal, o governo não está só de olho no seu inimigo do norte mas também na vida privada dos objetores de consciência.
Ao se apresentar no presídio com outros 60 objetores de consciência, o garoto apresentado no documentário, Kyioon, continua convicto de sua fé e de sua decisão. Ele já é a terceira geração de objetores de consciência. Seu avô e seu pai enfrentaram o mesmo sistema por conta de seus valores e sua crença de que na condição de sul-coreano cristão ele deve “amar ao próximo, como a si mesmo” e, portanto, é inconcebível a ideia de apontar uma arma contra seu próximo, mesmo que esse próximo seja um soldado do norte.
Achei que valia a pena me prolongar em contar a história de cristãos na Coreia do Sul porque frequentemente ouvimos mais sobre nossos irmãos do norte. A Lista Mundial de Perseguição, divulgada anualmente pela Organização Portas Abertas, trouxe uma surpresa: a Coreia do Norte, pela primeira vez em muitos anos, perdeu a liderança entre 50 países mais difíceis para os cristãos. Isso, porém, não é bem porque a situação por lá tenha melhorado mas, ao contrário, o que aconteceu foi que a retomada do Afeganistão pelo Talibã tornou o país o mais inseguro no mundo para cristãos exercerem sua fé. A Coreia do Sul não aparece na lista – e não esteve na lista desde que acompanho a Portas Abertas (isso já faz 26 anos).
Dessa história toda, fica a lição de sabermos que a vida do cristão não é fácil e não será fácil, independente do meridiano em que vivamos. Pode ser mais cômoda no Brasil ou America Latina, lugares com alguma tradição religiosa, ou mesmo na Europa mergulhada em secularismo. Com certeza tem menos riscos: não me sinto receosa de sair com a Bíblia na mão pela rua em São Paulo, algo que nem passa pela cabeça de um cristão paquistanês ou afegão. Se eu fizer um culto doméstico e cantar hinos, o máximo que pode me acontecer é o vizinho reclamar do barulho (e da falta de talento) e pedir que cantemos mais baixo. Mas nada disso pode nos iludir: “no mundo tereis aflições” (João 16:33). Jesus não disse: “na Ásia tereis aflições”, ele disse “no mundo” e o mundo é o lugar em que vivemos. Daí a importância de orar pela Igreja de Cristo que se reúne ao seu redor e por aquela que se reúne no subterrâneo e nos porões de países que a gente nem sabe achar no mapa.
Outra lição que extraí desse documentário é que a gente pode enganar o governo sul-coreano ou qualquer outro governo porque esse mundo é guiado pelas aparências. As pessoas são guiadas pelas aparências. Assim, podemos ir à igreja todos os dias, participar de todas as atividades extra-dominicais, ler a Bíblia todos os dias, adotar o linguajar próprio dos crentes (o “igrejês”) e podemos até adotar um código de vestimenta modesto (que a indústria já rotulou como “Moda Evangélica”). Mas precisamos ter em mente que o Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (I Samuel 16:7b). Precisamos buscar e adorar a Deus em espírito e em verdade, esse é o caminho para agradar o Senhor e termos um relacionamento com Ele. Se assim não for, podemos convencer até os governos, mas quando chegar ao Céu a conversa vai ser outra e vamos lembrar das palavras de Jesus: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”(Mateus 7:21).
Foto: Freepik
Para pensar e meditar profundamente este texto. Quem somos? Ou ..o que somos diante de Deus?
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Exatamente! Tendo em mente que Deus nos vê além da superfície, o que será que Ele enxerga em nós? Obrigada pelo teu comentário, Cláudia 😘
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