Viver dói

Em algumas ocasiões, quando minhas filhas ainda eram adolescentes, uma ou outra situação as levava a chorar. A mais nova, dotada de extrema sensibilidade e baixo limiar pra dor, geralmente ficava mais afetada. Conforme foi crescendo e amadurecendo, na hora “do aperto” eu dizia: pois é minha filha… é assim mesmo. Viver dói.

Afirmação fatalista? Não. De maneira alguma. Eu não podia permitir que ela pensasse que a vida é um mar de rosas. Aliás, não sei quem cunhou essa expressão, mas se este texto for traduzido para outra língua, o tradutor há de cuidar para não ser literal, senão os então leitores ficarão imaginando milhares e milhares de rosas amontoadas com talvez algum barco flutuando sobre elas.

Antes de o bebê nascer, quando começam as contrações na mãe, isso dói. Na hora que o bebê nasce, seja parto normal ou não, ele já passa de um ambiente líquido para um gasoso e isso dói. Quando começa a mamar, sua boquinha dói. Quando começam a nascer os dentinhos, dói. Quando começa a andar, e leva uns tombinhos, dói. Enfim, desde antes de a gente nascer já nos deparamos com a dor. A vida vai passando, e a gente aprende a lidar com ela.

Tem a dor do joelho machucado, a dor de uma bolada, a dor de um tombo. Dói quando vamos embora da casa da vovó, quando quebra um brinquedo nosso e quando levamos uma bronca. Também dói quando vemos a mãe chorando, quando o irmão diz que não foi ele e quando o amigo da escola fica rindo de você. São dores e dores. Elas estão lá. Não há pra onde fugir.

Conta-se a história de um pai, cuja filha estava muito doente. Ele fez tudo o que podia a fim de que ela melhorasse, mas nada resolveu. Quando a morte era iminente, e a medicina nada mais podia oferecer ele desabou. Tento imaginar a dor que se instalou em seu coração e no de sua esposa. A vida se esvaindo do corpo da menininha e eles incapazes, vulneráveis, arrasados. Mesmo sendo religioso, praticante, experiente, era como se naquele momento o Céu estivesse em silêncio. Nada mais havia a fazer e ele estava ali, ladeando o leito, chorando e aguardando o último suspiro da menina.

Imagine você uma situação como essa. Talvez a dor de vermos um filho sofrer, ou mesmo deixar esta vida, seja a dor mais lancinante que exista. Ela rasga o peito, dilacera o coração, deixa a alma em farrapos. A vida perde o sentido, perde a cor, perde a razão de ser.

Em meio àquele turbilhão, quando nada mais havia a ser feito, aquele pai se lembra de uns rumores, que falavam de alguém que estava causando na região. Pessoas doentes eram levadas a ele e milagrosamente ficavam curadas. Esse pai não tinha dado muita trela a essa conversa, mas naquele momento meio que se tornou o último fio de esperança. Por uma enorme coincidência (ou não!), aquele de quem falavam estava nas imediações de sua cidade e ele não pensa duas vezes: sai de casa quase que correndo, perguntando aqui e ali por onde andava o tal homem. Não foi muito difícil acha-lo, uma vez que um monte de gente se apinhava para chegar perto. Era tanta gente, que parecia impossível vê-lo, e mais ainda se aproximar dele. Só que um pai desesperado não desiste! Empurra um, empurra outro, abaixa-se, estica-se, pede licença, rodopia, pula, um passo, outro passo… de repente, ele está na frente do homem.

Aquele momento foi surreal. É tipo… difícil de explicar. Bem difícil. Quando seus olhos cruzaram com os dele, o tempo parou.

O tempo parou, o coração parou, o sangue gelou, e tudo se fez silêncio. Que olhar era aquele? O que foi aquilo? Que amor! Que luz! Quanta bondade! Quanta paz. Na verdade, por alguma fração de segundo aquele pai não discerniu o que estava acontecendo. Será que morri pisoteado pela multidão? Será que nem saí de casa e estou sonhando? O que é isso, afinal?! Devagarinho os sons começaram a se ouvir, o vento recomeçou a sussurrar e ele se deu conta que era tudo real. Ele estava ali mesmo, na frente do homem, na frente de Deus.

O fim da história pode ser lido no Evangelho segundo Marcos, São Marcos, no finalzinho do capítulo cinco. Não vou dar spoiler, mas é de arrepiar.  

Desde a época que essa história se passou, até hoje, a dor humana ganhou outra dimensão. Ela não parou de existir, obviamente, mas ela ganhou uma nova perspectiva. Já inventaram tudo que é tipo de anestésico, analgésico, procedimentos e técnicas para minimizar ou acabar com a dor. Profissionais que cuidam da saúde mental têm seus consultórios abarrotados. Pastores e padres ouvem queixas e aconselham diversas pessoas por dia. Templos dos mais diversos segmentos religiosos são visitados por pessoas sofridas, que buscam algum tipo de milagre ou livramento para as suas dores.

Eu vou ao médico? Vou – inclusive menos do que gostaria. Tomo remédio? Sim. Faço terapia? Agora não, mas já fiz, e também bem menos que gostaria. Já busquei aconselhamento de pessoas idôneas e experientes? Muito. Já fui me arrastando para um pronto-socorro? Vixe… se fui. Já fiz fisioterapia? Um monte. Só que posso afirmar sem nenhuma sombra de dúvida: sentir dor, de qualquer tipo, sem ter a Jesus para recorrer, é uma coisa. Sentir dor, e poder depositar esse fardo nas mãos de Jesus, recebendo em troca um fardo bem levinho é outra completamente diferente. Digo isso por experiência própria. Sendo assim, caso queira acatar minha sugestão, divida com Ele as suas dores. Afinal, mais que ninguém que já viveu nesta Terra, Ele sabe o que é padecer… e põe “sabe” nisso. A sua dor vai desaparecer instantaneamente? Provavelmente não, mas será bem mais fácil tê-lo ao lado dividindo o jugo com você.

40 comentários sobre “Viver dói

  1. Texto maravilhoso, a professora Mônica é uma escritora admirável, sempre bom ser edificado através da vida dela, e esse texto foi e é um texto que acalenta o nosso coração, trazendo a nossa memória o que pode nos dar esperança, Jesus, o nosso Salvador, pois sabemos em quem temos crido e estamos bem certos de que Ele É poderoso para cuidar de nós e aprendendo d’Ele que é manso, poderemos levar um fardo mais leve.

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  2. Que reflexão maravilhosa!!! Quando somos fracos Ele nos fortalece, aqui elas se encontram. Quando colocamos os fardos aos pés do Senhor tudo q parece esmagar serão “degraus nos quais eu pude subir”…2Co 12.10…obrigada Mônica… Obrigada Jesus!! 🙏

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  3. Parabéns querida!!!
    Pelo texto, pelas dores divididas com o Senhor e pelos anos que Ele lhe deu.
    Feliz aniversário!!!
    Desejo que tudo o que Deus tem preparado para você lhe faça feliz e grata, mesmo sabendo que, algumas vezes, uma dorzinha vem junto. Beijocas açucaradas…

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  4. Amei seu texto, Mônica!
    É pra ler e degustar com calma…
    Viver dói! Constatação fantástica! Mas vale a pena! E com Jesus a gente tira de letra!!!
    Obrigada por compartilhar comigo!
    Que o Senhor continue capacitando você, dando outros “insights” tão belos como este!

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