Nossa Senhora da Força de Vontade

Um dos ícones modernos das resoluções frustradas, promessas não cumpridas e da depressão que se segue à comprovação do fracasso é a personagem principal do filme  “O Diário de Bridget Jones”.

Para quem nunca viu o filme (ou leu o livro), Bridget é uma mulher acima dos 30 anos, que não alcançou nenhuma das metas que tinha aos 20 e, no Ano Novo, decide que já está mais do que na hora de tomar o controle da própria vida e assim começa a escrever um diário para acompanhar o sucesso de suas resoluções.

Por muitos anos eu li e reli aquele livro, assisti ao filme mais vezes do que posso contar e me sentia a própria protagonista da cena inicial, chorando sozinha, em frente a algum programa de TV deprimente, enquanto comia e bebia compulsivamente o que estivesse pela frente, totalmente identificada com a protagonista e sua longa lista de fracassos.

Não importa o quanto me dedicasse ou esforçasse, mais cedo ou mais tarde o vigor se acabaria e eu voltaria à estaca zero. Acabei abandonando as listas. Parei de fazer promessas. Ufa! Que alívio! Resolvido.

Será? Não, não é bem assim. Mas, embora eu não queira, nem por um segundo, sugerir uma vida leviana, sem alvos, projetos ou planos, quero sim, propor o abandono de um dos ídolos mais populares da atualidade, celebrado na revistas das bancas de jornal, em livros e palestras, nas escolas, nos conselhos paternos, programas de TV, e até nos púlpitos de nossas igrejas, anunciado e encorajado na vida das pessoas como a solução para todos os seus problemas. E muitos nem o reconhecem como ídolo.

Eu não reconheci. Não na época em que abandonei as listas. A decisão de parar com as promessas foi mais motivada pelo medo de me tornar uma piada como a personagem do filme, do que a compreensão correta do que faz das resoluções de ano novo uma armadilha ou o caminho para o sucesso.

A mensagem que se ouve por todos os lados é “VOCÊ PODE!” – pode ser o que quiser, chegar aonde quiser, fazer o que quiser etc. Praticamente todas as áreas da vida se resolvem a partir deste princípio: dietas, carreiras, relacionamentos, administração de dinheiro – tudo é possível se você tiver “FORÇA DE VONTADE”.

Ah! A Santa milagreira Força de Vontade – a santa das causas impossíveis. Sendo assim, se você não conseguiu perder peso, entrar pro time de basquete, crescer profissionalmente, comprar um carro novo, arrumar um namorado, permanecer saudável, manter a paz de espírito e paz com todos, se nada aconteceu na sua vida esse ano é porque não teve força de vontade suficiente. Tente com mais força no ano seguinte que você vai conseguir!

Consegue perceber a armadilha? Essa é a receita para a perpetuação das “listas de resoluções não resolvidas”. É um fardo muito pesado de se carregar, principalmente se os itens de minha lista tem a ver com minha caminhada espiritual.

Richar Foster no livro “Celebração da Disciplina” destaca o aspecto libertador das disciplinas espirituais ao chamar a atenção para Colossenses 2 onde Paulo faz uma lista de formas externas de controle do pecado (regras): “Não manuseie!”; “Não prove!”; “Não toque!” e em seguida acrescenta que essas coisas “têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, mas não tem nenhum valor para controlar as paixões” (Colossenses 2:20-23). Paulo olha para os nossos esforços mais vigorosos (força de vontade) e os chama de idolatria (devoção voluntária).

A igreja de Colossenses era uma igreja cheia de força de vontade e determinação em viver uma vida santa e pura, e para isso seguiam rigidamente uma multidão de regras e práticas que visavam aproximá-los mais de Deus, torná-los mais dignos de Cristo, parecidos com Ele. O problema é que:

“a vontade tem a mesma deficiência que a Lei – só consegue lidar com a aparência. É incapaz de gerar a transformação de que o espírito necessita” (Celebração da Disciplina – Richard Foster). 

Comer, falar e gastar menos, malhar, ouvir e estudar mais, ajudar aos outros, fazer as pazes com o inimigo, separar o lixo reciclável, gastar tempo com a família – a maioria das resoluções de ano novo são tentativas desesperadas de nos tornarmos pessoas melhores, e se você é cristão, de se tornar mais parecido com Cristo. Porém este é um plano fadado ao fracasso se for baseado apenas em forças humanas – vontade e determinação – porque elas apenas mudam o exterior temporariamente, e um dia o interior vêm à tona arruinando nossa lista de sucessos.

Este é o problema das resoluções de ano novo, elas depositam sua confiança na força humana. Mas a transformação definitiva tem que ser interna, e mudança interior é obra de Deus, não nossa. Confiar em sua própria força de vontade para alcançar objetivos é idolatria. A receita para o sucesso das resoluções de ano novo é que elas sejam feitas a partir dos desígnios de Deus, e submissas à ação dEle. Apenas quando entendermos essa verdade poderemos parar de nos debater todos os anos com as mesmas velhas listas, nos livrar do ídolo da força de vontade e ser livre para viver a graça de Deus.

Não adianta correr atrás do prejuízo após fazermos a bendita lista anual. Desde o momento de sua concepção, até a sua execução é necessário buscar de Deus a força e determinação para prosseguir e estarmos abertos para a ação transformadora do Espírito Santo.

“… visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador”. Colossenses 3:9-10.

Todas as coisas são possíveis, sim. Mas não por meio de força de vontade, e sim por meio de Cristo, que me fortalece.

Fotografia: Ben White on Unsplash

9 comentários sobre “Nossa Senhora da Força de Vontade

  1. Excelente. Também vi várias vezes os filmes da Bridget Jones (só está faltando o do Bebê de Bridget Jones) e me senti muitas vezes como ela. Nunca tinha pensado por esse lado sobre a força de vontade. Parabéns.E muito obrigada. Tirou um peso ENORME das minhas costas. Que o Senhor continue te usando e nos usando para sermos bênçãos.

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  2. Um olhar “refrescante” para a questão dos planos de vida. De fato, se não for a força de Cristo em nós, muito provavelmente nossos alvos e projetos darão com os burros n’água. Adoro me deparar com aspectos que nem tinham passado pela minha cabeça.

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