As águas de março ainda caíam, o planner novo que comprei pela Internet (daqueles com capa florida e cheio de recursos) tinha acabado de chegar e finalmente criei coragem para começar na academia, o que aliás estava até gostando. Tudo parecia seguir os planos. Eu realmente estava contente que tudo vinha se encaixando no meu script.
Lá estava eu, sentada na capela (nosso salão para cultos), pensando em tudo isso enquanto observava os rostos dos alunos a minha volta. Acho que todos, naquele momento, revisavam mentalmente onde a notícia que acabaram de ouvir se encaixava em seus próprios scripts. A notícia? Por medida de segurança e seguindo as normas adotadas pelo estado, as aulas no nosso seminário estavam sendo suspensas. O que víamos nos noticiários agora estava cada vez mais próximo da nossa realidade.
À medida que viam que as coisas demorariam para voltar ao normal, muitos alunos voltaram para suas cidades, aqueles que eram estrangeiros voltaram para seus países de origem, antes que as fronteiras fechassem. Nosso seminário se encontrava com um número reduzido de moradores.
Meu filho mais velho, no auge de seus 9 anos, observava tudo atentamente. No começo ele brincava que tudo parecia um cenário de “apocalipse zumbi” (uma brincadeira que ele e os amigos faziam quase todos os dias ao anoitecer), mas depois o temor foi chegando no seu coraçãozinho. Ele começou a temer por mim, pois de tanto ouvir falar de pessoas de grupo de risco logo racionalizou que tinha que me manter em casa.
Os dias de isolamento se tornaram semanas e logo já havia se passado meses. Quando menos esperávamos, estávamos orando por alguém que amávamos e meu menino viu um vírus acamar e ceifar a vida do tio tão querido e amado. Ele agora tentava compreender todas as emoções que fervilhavam em seu coração. Não tenho palavras suficientes para descrever a dor de receber tal notícia e não podermos nos reunir como família, como irmãos em Cristo para prantear, abraçar e consolar nossos familiares. Em meio a todos esses eventos, muitos questionamentos vieram a mente do meu filho. Ele perguntava: por que dói tanto? Por que Deus permitiu que isso acontecesse? Eram muitas as perguntas e eu orava para que Deus me desse sabedoria para responder a cada uma delas. E o Senhor tem me ensinado enquanto busco n’Ele sabedoria para responder aos questionamentos feitos por meu filho.
Gosto de olhar os ipês amarelos floridos em setembro, enquanto tudo está seco e empoeirado aqui em Goiás, os ipês dão cor e vida ao cerrado. Os ipês são pra mim um lembrete de que em meio a aridez dos dias difíceis Deus ainda nos dá flores. Quando pensamos ter chegado no limite das forças, do choro e da dor, Deus nos lembra que não há limites para Sua graça. Meu filho tem visto e vivido muitas coisas novas neste ano, mas o que espero e oro para que fique gravado em seu coração é como Deus nos acolhe. Estamos longe dos nossos familiares, dos amiguinhos da escola dominical, muitos ainda não podem se reunir em suas igrejas, mas durante todo esse tempo fomos abraçados pelas orações da igreja, tivemos a oportunidade de nos apresentar aos nossos vizinhos para interceder por eles e os consolar em suas dores e perdas. Estamos experimentando 1Co1:3 e 4 na prática.
“Bendito seja o Deus Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que consola em todas as nossas tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações.”
Nós que temos filhos pequenos estamos tendo a oportunidade de viver com eles a total dependência de Deus nesses dias em que tudo parece incerto, em que planos foram desfeitos como castelos de areia, onde o luto e o medo têm invadido os lares e corações. Podemos ensinar-lhes sobre um Deus que não é pego de surpresa, que não nos abandona no isolamento social, que enxuga as lágrimas das viúvas e mães que perderam seus filhos. Existe um provérbio oriental que diz: “Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes.” Que nestes tempos difíceis nossos filhos cresçam como valentes de Deus.
Meu planner está guardado em uma gaveta, comecei a fazer caminhada perto de casa, assistimos aos cultos online e as crianças estão estudando em casa. Não gostamos muito quando os planos se frustram, mas Deus nos deu a capacidade de nos adaptar.
Infelizmente, mesmo com as adaptações, muitas coisas não serão mais como antes. Em muitos lares algumas risadas não ecoarão mais nas reuniões de família, o Natal de 2020 será diferente em milhares de casas, mas continuaremos celebrando o Amor que não tem limites, que desceu dos céus e se deu por nós.
Muitas coisas mudaram, o Céu está com mais moradores, nossos corações ainda doem, mas Ele continua o mesmo, renovando Suas misericórdias dia após dia, fazendo florir os ipês, nos sustentando e dando o consolo até que Ele venha.
Foto: acervo pessoal
Que delícia de texto, Bete! Um bálsamo.
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Obrigada querida!!!
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Obrigada pelas flores que se foram, Jesus, e pelas novas flores que brotam…somos o teu jardim!
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Amém!! Que glorifiquemos a Ele como seu jardim.
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Ipês são poesia em forma de flor! Seu relato me soou como grama fresca em dia de calor. Quanto consolo!!!
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Lindo texto Bette!🥰 parabéns!👏👏👏👏
Quando você cita os ipês, me lembrei do que venho observando nos últimos tempos…plantas nativas, pássaros…a criação que continua sendo cuidada pelo CRIADOR(sem interferência do homem), está desenvolvendo o seu ciclo normalmente!🤔
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Obrigada querida. Deus continua cuidando de tudo.
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Nossa que texto incrível amiga! Fui abençoada! Deus continue abençoando sua família que amamos muito. Bjs
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Obrigada minha amiga. Também amamos vocês!
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Glória a Deus pelas palavras, pelos aprendizados, pelos sonhos que não pararam de surgir num tempo onde as cores precisaram ser renomeadas. Glória a Deus! Porque dEle, por Ele e para Ele SEMPRE são todas as coisas. Sejam alegrias ou lágrimas.
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Amém!! Glórias ao pai!
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