No final no ano passado um jovem de 26 anos morreu a flechadas enquanto tentava contactar uma tribo em extinção, isolada em uma das Ilhas Andaman na costa leste da Índia. O fato repercutiu internacionalmente com a usual polêmica da evangelização de povos isolados, e também diante da questão de como recuperar o corpo para envia-lo de volta a sua família (uma vez que o grupo ataca qualquer um que desembarque em sua ilha).
Esse evento me lembrou de outra história registrada em livros e filmes, e que embalava meus sonhos e pesadelos de infância – os cinco missionários mortos pelos Aucas no Equador. O personagem mais conhecido dessa história é Jim Elliot, respeitado e recitado por muitos até os dias de hoje. E o livro “O Piloto das Selvas” que conta esta história da perspectiva do piloto da equipe – Nate Saint – foi um dos primeiros livros que li na vida, e o que mais me marcou, porque ele poderia ter sido a minha história.
Eu tinha apenas 3 meses de idade quando, em 1980, meus pais se mudaram de Minas Gerais para o noroeste do Pará em busca dos povos isolados do Cuminapanema. Haviam relatos de castanheiros e garimpeiros que haviam avistado esse povo nas matas e fugido por medo de serem mortos. Ninguém sabia “que tipo de gente” eles eram – se do tipo que se faz amizade ou do tipo que atacam os intrusos. Durante os primeiros 7 anos da minha vida minha mãe, eu e outras mulheres e crianças ficávamos na cidade esperando pelo dia do “Encontro”. Os homens entravam mata adentro e por meses não tínhamos notícia nem sabíamos se os veríamos com vida novamente.
A primeira vez que a equipe sobrevoou a área avistaram cerca de 5 aldeias. Porém o caminho para chegar até eles não era caminho, era desbravamento em mata fechada. E considerando-se que era um povo nômade, levou cerca de 7 anos para o tão esperado encontro acontecesse pela primeira vez.
Meu pai voltou pra casa! Esse era um grupo extremamente pacífico e amistoso. Eles tinham tanto medo da gente quanto a gente tinha deles. Porém das 7 aldeias vistas do avião, restavam apenas 3 e todas tomadas pela malária. O povo estava em rota de extinção. Eles já haviam queimado os pertences dos doentes mais graves e apenas aguardavam a morte do próximo. A equipe passou os primeiros anos em tratamento intensivo da saúde do povo. Na época do contato a população era predominantemente adulta. Haviam poucas crianças ou adolescentes, sinal de que há cerca de pelo menos 20 anos haviam entrado em processo de decrescimento – não nasciam crianças naquele grupo ou morriam as que nasciam. Depois de 2 anos de presença missionária ali haviam 15 bebês fortes e gordos engatinhando ou correndo pelas trilhas entre as barracas. A população cresceu de 119 pra 136 pessoas. Se não fosse o contato com aqueles missionários, eles teriam desaparecido completamente.
Porém a ideologia humanista vigente não enxergou o encontro com esses olhos salvadores. Pelo contrário, os missionários foram falsamente acusados de causarem a morte de indígenas e levou mais de 15 anos para ser provada sua inocência perante um tribunal. E mesmo assim, desde 1991 eles ainda não possuem permissão para retornarem lá.
Foram apenas quatro anos de convívio, mas foi o suficiente para se forjar fortes amizades, para se tornarem família. O grupo da selva não se esquece dos missionários e persiste em tentar reencontrá-los. Porém a cada tentativa, são severamente penalizados pelo órgão governamental que supostamente os protege. Eles são prisioneiros da selva.
Enquanto ainda estavam lá, um dos anciãos da aldeia foi picado por uma cobra surucucu pico-de-jaca (uma das mais venenosas do Brasil, e naquela situação, o mesmo que uma sentença de morte) e seu pé estava em avançado processo de necrose. Havia sério de risco de morte. Porém mediante intensa oração e cuidados de enfermagem oferecidos pelos missionários, seu pé milagrosamente começou a se recuperar e “voltou à vida”. Algum tempo depois, enquanto conversavam ao redor da fogueira, o ancião (chamado Apim), perguntou ao meu pai “-Você viu meu criador lá pelo seu mundo por onde você andou?“. Com o coração ardendo por querer contar pra ele a verdade sobre O Criador dos céus e da terra, mas ainda sem conhecer a língua o suficiente para tal, meu pai respondeu que não. Apim respondeu “-Acho que você encontrou com ele sim. Porque ele veio aqui nos criar, mas foi embora e prometeu que um dia voltaria para curar os feridos e dar vida aos mortos. Mas o povo da sua terra não deixa ele voltar. Meu pé estava morto e você o trouxe de volta a vida. Não seria você mesmo o criador?”
Quanta verdade expressa na fala de um ancião isolado na floresta amazônica que nunca ouviu o evangelho nem nunca viu o que se faz e se fala aqui do lado de fora. Quanta dor e tristeza em saber que a verdade dessa fala ainda é realidade na vida daquele povo que ainda espera pela volta do seu Criador.
Sim, o criador do universo prometeu que viria dar vida aos mortos! Sim, a humanidade corrupta e egoísta não permite que os povos das selvas (e às vezes nossos vizinhos da cidade) recebam a visita do criador. Sim, o toque das mãos dos filhos de Deus pode (e deve!) ser confundido com o toque das mãos do próprio Deus.
O que tenho feito para contribuir ou impedir esse encontro? O acontecido com o jovem americano aqui na costa da Índia me fez relembrar essas histórias e repensar meu amor por aquele que é o Autor da vida.
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P.S.: meu pai conta a história do contato, convivência e retirada do povo Zoé no livro Esperando a volta do Criador . Ela é a história de uma vida inteira dedicada a ver esse povo se reencontrar com seu criador.
Lindo Celinda, muito bom saber um pouco mais dos bastidores dessa história. Fiz parte da MNTB. Conheço seus pais antes de casarem. Deus abençoe.
Marta Rocha da Silva.
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Sim! Me lembro de você (na época te chamava de senhora 😊)… e minha mãe tbm falou muito do seu tempo de estudantes em Peniel. Fico feliz que você acompanhe o karissimas. É uma honra pra mim. 😘
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Que texto lindo Celinda , me levou às lagrimas . Deus continue abençoando sua vida e ministério
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Obrigada! Sou sempre.encorajada com suas palavras de carinho e apreço. 😘
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Uaaau!!! Que história, Celinda!!! Eu estou apenas “engatinhando” na carreira missionária, mas sonho ser instrumento de Deus para levar salvação aos seus escolhidos, assim como seus pais e outros caríssimos missionários também foram (e ainda são). Realmente, temos o privilégio de conhecer homens dos quais o mundo não é digno. Que o Senhor nos ajude a ser como eles!
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Oi querida.. que sejamos pessoas comuns que deixam marcas por onde passam.. esses são os verdadeiros “heróis”.. vc tem feito isso! Continue firme.. 😘
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