O Encontro

Ontem tive uma conversa bem difícil sobre quem tenho descoberto que sou e quem estou me tornando. Muitos fatores contribuem para a transformação de uma pessoa através dos anos. Também é verdade, fato estudado que a mulher (a maioria delas), quando se torna mãe, se funde em um novo ser (no meu caso, 3 novos seres então hehehehe). Pra mim, demorou anos, depois de cada gravidez, pra que me reconhecesse de novo e ainda assim me perco de vez em quando. É interessante que aquele ser foi formado dentro de mim, saiu de mim e é como um pedaço de mim andando por aí. Essa metamorfose mexe com a gente.

Isso me veio à mete quando vi o tema “um encontro inesquecível”. Tentei visualizar um encontro com a Mical. Como se pareceria? Outro dia postei uma foto de 1999 no stories do Instagram. Não pude deixar de lembrar daquela época. Uma menina explodindo vida, sorriso (bem) largo, estilo boho chique (pra não dizer duvidoso)…  Seria no mínimo curioso encontra-la e conversar com ela. Como ela reagiria ao me ver, que perguntas faria? A Mical de ’99 me reconheceria? 

Pensando nesse encontro me deparo com uma tentação, pensar primeiro em tudo o que eu queria que tivesse acontecido e que não aconteceu ou no que “deu errado” a partir da perspectiva dela. Em um universo paralelo eu seria uma escritora que já teria livros publicados, uma cantora que já teria alguns trabalhos lançados, uma atriz em Hollywood e até uma mochileira motoqueira. Todos esses universos, e alguns outros, couberam em mim em algum momento da vida e, de alguma maneira, ainda cabem, mas agora com várias adaptações à minha estação da vida, à realidade que vivo e também foram submetidos à maturidade que vem com a experiência de vida, já que cheguei nos 30 (e muitos). Não escrevo para receber respostas como: “nossa, mas você é nova, ainda dá tempo de fazer tudo isso”. Sim, dá pra fazer muito, é possível… mas não é o foco dessa conversa. Hoje estou pensando de uma maneira equilibrada, fazendo um balanço, sobre os muitos dos universos imaginários que não foram escolhidos, mas na vida que existe e que é a vida real.

Muitas mães que conheço, dentre elas, as que escolheram ficar em casa (que é a minha realidade), entram em crise pensando que estão em uma realidade alternativa em que tudo o que se vê são mini-humanos, fraldas sujas, migalhas de pão pelo chão, narizes escorrendo e outras coisas tão peculiares a esse mundo materno. Já ouvi algumas falando e já falei também,  que se sentem emburrecendo por não estar mais em ambientes de trabalho ou não ter mais a convivência acadêmica. A vida materna é bem mais que esses perrengues, também é permeada de abraços, de gargalhadas e correrias, de comidinhas imaginárias e beijos mágicos que curam tudo. É preciso encontrar o equilíbrio entre os dois mundos e ajustar expectativas, traçar novos objetivos, adaptar. Outras mães, que vivem no ambiente coorporativo, vivem outras crises e se dividem em vário mundos para tentar dar conta de tudo e mais um pouco. 

Ontem, durante minha conversa, pensava em tudo isso, chorava e tentava me encontrar embaixo da pilha de atividades e papéis que adquiri ao longo da vida, e que, algumas vezes, vivo no automático, fui relembrada de algumas verdades.

Uma das coisas que percebi, é que não dá pra encontrar a Mical sem encontrar seu idealizador, seu Criador, seu designer. Antes de vislumbrá-la, preciso botar os óculos Dele. Por trás de Suas lentes, nuances multicoloridas são refletidas na Mical, raios de luz e cor são irradiados de mim também… Eu fui ideia Dele, sonhada primeiro em Seu coração, e como Ele é apaixonado por mim. Através desses óculos transcendentais também é possível ter sensações,  e aqui que sou tomada por um amor caloroso com cheiro de cravo e canela e de bolo recém saído do forno. Esse amor tem gosto de família, ele é aceitação e deleite. Quando olho como Ele me olha, não consigo segurar sorrisos e lágrimas simultâneas porque a atmosfera de bem-querer é simplesmente avassaladora e doce.

Através desses olhos, sou sonho realizado mas ainda não completado, sou obra de arte em andamento, sou receita de brigadeiro sendo mexida na panela.

Esse encontro deixa de ser uma tentação, deixa de ser oportunidade para cair em autocomiseração e começa a ser um encontro de amor. Não há como me ver através de Suas lentes e não me amar.

Percebo então que a Mical, em todas as suas fases nunca foi um borrão errado, que deveria ser jogado no lixo, como várias vezes pensei. Não é algo sem valor… mas também vejo que muitas vezes tento extrair esse valor do lugar errado. Como se quisesse tirar água de um balde furado. Mas quando se vai na Fonte, entende-se… “Não peço que os tire do mundo, mas que os livre do mal”. Sou humana, mundana, mas sou protegida e acalentada. Ele me quis, me desenhou e me amou.

Que encontro! Que lembranças! Então ali, voltando ao mundo concreto, enxuguei minhas lágrimas e o sentimento que me envolve agora não é solidão, ressentimento, vazio. Não tem mais “e se fosse”, “se tivesse sido”… O que enche meu ser é  gratidão pelo hoje, pelo agora. O momento presente me permite olhar o futuro e até admitir que sinto medo, tenho dificuldade de visualizar como vai ser, tenho dúvidas sobre o que poderá vir, do que não posso controlar, mas continuarei a caminhada, escolhendo a gratidão,  assim mesmo porque minha lente é turva, mas confio na clareza do olhar de quem me fez.

Olhando para o passado, posso encontrar muitos momentos em que Ele deixou sua marca, seja no olhar de alguém para mim ou em abraços. Seja em palavras amigas ou em momentos que achava que estava sendo castigada. Enxergo Sua mão me transformando em quem eu sou. Nos cenários que passei, vejo o artista trabalhando. O presente me permite agradecer, me mover e reconhecer. No encontro da Mical com a Mical vejo Deus! Porque não há eu sem Ele em mim. Então posso me abraçar, fazer as pazes comigo mesma e me entender, porque Ele já me validou, amou e me cuida a cada dia. O encontro que poderia ser desastroso, vira um momento especial. Esse é um exercício.

Escolher a gratidão precisa ser algo escolhido conscientemente, muitas vezes, que se torna mais natural à medida que você continua escolhendo essa opção. Quero que a Mical velhinha olhe pra todas as fases que viveu e lembre que em tudo, escolheu ser grata. E que valeu à pena cada fase, os erros e os acertos. 

E você? Como enxerga o espelho? De onde tem extraído o seu valor? Quando olha pra si, o que vê? Quando lê sua história, o que ela conta? Como seu encontro consigo mesmo seria?

Não se assuste, mesmo se tiver medo, vale a pena correr o risco de cair nos braços do Amor e deixar a graça, como um córrego que permeia a floresta e floresce as suas margens, transformar o cinza em cor.

 

Fotografia: Freepik

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