
Foto por Brandon Nickerson em Pexels.com
Um espirro forte pode ser apenas um estrondo. Mas o que é desagradável sempre pode piorar. Aprendi essa lição no último ano do Ensino Médio, em um episódio inesquecível em nossa turma de finalistas da escola. Um de nossos colegas espirrou com força descomunal e a mesma produziu um efeito simultâneo em suas funções intestinais. Se nós – os coadjuvantes – demoramos a acreditar naquela sujeira (literalmente falando), imagina a cara do protagonista saindo da sala para tentar remediar a situação no banheiro mais próximo! Mas a situação que já era vergonhosa ganhou proporções ainda maiores com as piadas que surgiram após o acontecimento. Numa sala com adolescentes impiedosos, ninguém teve a preocupação de imaginar como seria vivenciar aquele drama no lugar de nosso colega. Pra minha vergonha enquanto cristã, que estudava em uma escola de valores cristãos, a empatia passou longe dos meus pensamentos e das minhas atitudes. Eu precisava vivenciar algo semelhante para sentir na pele o sofrimento do meu amigo. Ah, Deus sabia que eu precisava! Saiba como foi essa aula na história do passarinho-professor.
O passarinho-professor
Quando cursava Jornalismo, precisava pegar dois ônibus para chegar à Universidade. A conexão entre eles era feita no famoso “Terminal 1” de Manaus, localizado em uma das principais avenidas da cidade. Apesar de velho, o Terminal 1 possuía algumas árvores frondosas onde era possível encontrar uma sombra amiga em dias ensolarados de Manaus (ou seja, quase todos!). E lá estava eu de manhã, na fila, à espera do segundo “busão”. Enquanto vagava em meus pensamentos, uma jovem que estava atrás de mim cutucou meu ombro e disse: “Moça, eu acho que o passarinho fez cocô na sua cabeça”. Eu arregalei os olhos e na mesma hora levei as mãos ao cabelo para confirmar o quadro vexatório. Era verdade! Uma verdade escancarada, podre e abundante! Imediatamente retornei para casa com muita vergonha. Afinal, se tem uma coisa que me deixa encabulada desde criança é andar com qualquer sujeirinha aparente, seja na roupa, no sapato ou na pele. Resumindo, eu tenho TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo)! Ao chegar em casa, me joguei embaixo do chuveiro e lavei várias vezes meus longos cabelos lisos, tentando imaginar que comida estragada aquele pássaro havia ingerido.
Pouco tempo depois, eu estava na sede da Prefeitura de Manaus, onde eu acabara de fazer algumas entrevistas como repórter. E bem na frente do prédio havia uns pombos-justiceiros, que sabiam o que eu havia dito sobre o meu colega no dia da sua diarreia. Enquanto eu aguardava o carro do jornal, os pombos terminaram de me ensinar a lição sobre empatia – o privilégio de compartilhar sentimentos. E eu pensava que raios não caíam duas vezes no mesmo lugar! É claro que receber chuva de excremento não é o mesmo que ter um desarranjo em uma sala lotada, mas as situações que eu vivi ajudaram-me a perceber que acidentes podem alcançar qualquer pessoa sem qualquer aviso prévio. E que eu posso ser uma embaixadora do Reino do Amor permanecendo ao lado daquele que está envergonhado, enlutado, enfermo, deprimido, abandonado ou ofendido, com dores que vão muito além do planejamento ou do controle que pensamos ter. E falando sobre lealdade, passo pra minha última história de hoje, ainda nas andanças do transporte coletivo.
Ombro amigo
Sempre tive facilidade de dormir dentro do carro, ônibus, barco ou canoa. Mas havia três problemas quando eu dormia no ônibus: 1. Passava do ponto onde deveria descer; 2.Batia fortemente com a cabeça na janela, várias vezes, até que eu acordava com dores; 3. Encostava minha cabeça no ombro do (a) passageiro (a) desconhecido (a) sentado (a) ao meu lado. Nesse último caso, era extremamente chato quando o passageiro ao lado era do sexo masculino! Porém houve um dia em que eu estava cochilando profundamente e involuntariamente (como sempre) encostei minha cabeça sobre os ombros de uma senhorinha que eu nunca tinha visto na vida. E todas as vezes que eu percebia, levantava a cabeça e pedia desculpas a ela. Pra minha surpresa, após o milésimo pedido de desculpas, a simpática senhora disse: “Pode encostar aqui, minha filha. Você parece estar muito cansada!”. Haha. Nessa hora dois sentimentos tomaram conta de mim. Constrangimento e gratidão. Como uma senhora que não me conhecia poderia me tratar como se fosse sua netinha? O amor é realmente constrangedor, não é?
A vozinha do ônibus me ensinou que eu posso decidir amar inclusive quem não me conhece. Ou seja, o privilégio de compartilhar sentimentos não é somente para pessoas que têm afeto mútuo. É possível, ainda, vivenciar a empatia mesmo que eu nunca tenha vivido a mesma alegria, a mesma tragédia, a mesma conquista ou a mesma derrota experimentada por outra pessoa. O Consolador que habita em mim e em você nos dá um ombro largo e um coração de carne aptos para acolher e consolar.
Um dos sentimentos mais deixados de lado pela atual geração: empatia. E é uma pena, pois a empatia nos faz pessoas [bem] melhores!
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