Apenas o Calcanhar

Chegamos ao parque antes do pôr do sol. No cenário, às margens do rio Negro, na zona Oeste de Manaus, pessoas caminhavam, outras conversavam e havia crianças alegrando o local. Apesar da aparente tranquilidade e das imagens típicas de uma tarde de domingo, aquela não seria uma experiência trivial. Aliás, muita coisa pode acontecer na viração do dia.

Se voltarmos à gênesis da história humana lembraremos que esse era o momento em que Deus passeava no jardim e papeava com Adão e Eva. Um encontro cheio de verdade, alegria, descobertas curiosas e a extensão dos ramos de amor entre as criaturas e o Criador. Quantos bons diálogos devem ter ocorrido antes do pôr do sol! E da mesma forma como acontecia no Éden, eu e meu companheiro de corrida e de muitas outras aventuras estávamos no parque pra compartilhar verdades, alegrias e um tempo juntos.

Em nossa primeira volta na pista, vimos o guarda do local e um rapaz com pedaços de madeira nas mãos tentando matar uma cobra, no meio da grama alta que fica ao lado do circuito. Claro que eu apertei o passo na hora e fugi o mais rápido que pude desse trecho. Poxa, taí um animal pra prejudicar a vida de uma mulher! Somos inimigas mortais da cobra desde que nossa amiga Eva escolheu tricotar com ela no paraíso, na fatídica queda em que a humanidade entrou no estado de total depravação.

No último diálogo entre Deus e o homem no jardim, o Senhor disse à serpente que ela feriria o calcanhar do Descendente da mulher. O “breve triunfo” da sagaz foi anunciado na viração do dia pelo Criador, o qual não foi surpreendido pela escolha de Adão e Eva. Seus planos incluíam as justas consequências pra todos os envolvidos, mas previam também a reabertura do “café da tarde” para homens e mulheres. Sim, a comunhão seria restaurada porque Alguém pagaria a nossa conta e pisaria na cabeça da serpente.

Mas voltando à cobra nojenta do Parque rio Negro, eu e meu esposo ficamos sem saber se ela escapou ou morreu. Continuamos o treino normalmente (bem, eu fiquei meio neurótica olhando pro matagal, mas digamos que tudo estava normal). Curiosamente, quando demos algumas voltas na pista de corrida e passamos por aquele mesmo trecho, olhei em direção à escada que liga o parque ao bairro do São Raimundo e vi garrafas de vidro “voando”. Sim, elas foram arremessadas por homens numa tradicional briga de bar.

A cena foi chocante porque eram uns cinco homens contra apenas um. Eles iniciaram o horrível espancamento em plena luz do dia. Naquele momento uma mulher que estava próxima a nós gritou desesperada para os briguentos: “Parem com isso, parem com isso!”. Assustada com o arremesso de garrafas, continuei correndo. Agora, além do medo da cobra, sentia tristeza por ver de perto homens sendo escravos da serpente e agindo como animais. Orei pedindo a Deus livramento pro rapaz que não conhecíamos. E depois de falar com o Criador, Ele me trouxe à memória que o calcanhar do Descendente, mordido pela serpente, não foi o final da história. Ela não escapou.

Sim, é fato que o Filho do Homem também foi espancado de forma injusta por muitos, morreu humilhado, mas havia uma promessa de vitória. E ela se cumpriu antes do raiar do sol, quando as filhas de Eva viram o corpo do Cristo ressuscitado. Ele esmagou a cabeça do inimigo! Venceu o inferno, a morte e o pecado.

Como eu disse antes, muita coisa pode acontecer no entardecer. Contudo foi no domingo de manhã que recebemos o melhor presente do Homem-Deus. Antes do sol nascer, Ele selou a nossa justificação. Antes do sol nascer, a pedra rolou. Antes do sol nascer, a graça superabundou. Jesus reabriu o jardim, arrumou a mesa pro café da tarde e agora esse encontro é melhor que no Éden: nunca terá fim.

Eu gostaria de saber o que houve com o homem espancado no bar, mas tudo o que sei é que a briga cessou após alguns minutos. Contudo, um ano depois dessa história, olho pra dentro de mim e percebo que há uma luta intensa contra uma natureza que é igual à dos valentões do bar. Também sinto que meus pensamentos e atitudes se comportam muitas vezes como garrafas voadoras na direção dos outros. No caso dessa briga, olho pra pista à minha frente e vejo que posso continuar correndo. Não mais motivada por medo, mas alegre porque Ele me aguarda pro eterno banquete da comunhão.

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