Gentileza sem medida

Gosto muito de três das definições que um dicionário dá para hospitalidade: tratamento afável, amabilidade, gentileza.

Na época do Novo Testamento,  a hospitalidade era importantíssima. Ser hospitaleiro, significava “amar os estranhos”. Na época de Pedro, o amor incluía abrir as portas de casa para outros cristãos necessitados e cuidar deles como era o caso dos pregadores itinerantes. Além disso, viajar era perigoso e as hospedarias eram ruins, escassas e caras. Sendo assim, os primeiros cristãos, com frequência, abriam suas casas para os viajantes e especialmente para os companheiros cristãos.

Tenho muitos exemplos maravilhosos de hospitalidade, em situações que fui abençoada, mas vou citar apenas dois que me desafiaram a praticar melhor essa gentileza.

Quando eu era seminarista, tive o privilégio de acompanhar e dar suporte a uma de minhas amigas numa situação de perda – quando chegou a notícia que sua mãe havia falecido.

É uma longa história, mas preciso explicar um pouco o contexto. Minha amiga era adotada, e quem havia morrido era sua mãe de sangue. Ela a conhecia, mas não tinha muito contato e nem mesmo com os irmãos. Era muito grata de ter uma mãe adotiva que a criou com muito carinho, apesar de várias dificuldades financeiras. Por outro lado, tinha o desejo de que a mãe que a gerou fosse mais próxima dela, assim como seus irmãos. Por alguns motivos, isso não era uma realidade.

Nossa viagem para o velório foi tensa, pois não sabíamos exatamente o que iríamos encontrar e como seríamos recebidas. Pelo que se sabia, sua mãe não havia conhecido o Senhor Jesus e isso doía muito o nosso coração, especialmente de minha amiga.

Não me lembro de muitos detalhes, mas chegamos na cidade destino à tarde e participamos do final do velório e do sepultamento. Foram momentos bem tristes, como uma tarde nublada e fria. E de fato, não fomos tão bem recebidos.

Senti muito por minha amiga. Conhecia um pouco de sua história e sabia que, não fosse o Senhor, ela seria alguém sem esperança, cheia de mágoas, traumas, complexos, …

Já estava anoitecendo e não tínhamos condições de voltar para o Seminário, pois só havia ônibus para o outro dia. Minha amiga, muito sem jeito, tentou falar com um dos irmãos sobre nossa necessidade de um lugar para passarmos a noite. Ninguém se manifestou. Ficamos preocupadas e com medo. Onde dormiríamos aquela noite? Não tínhamos dinheiro para pagar alguma hospedagem ou hotel.

Enquanto comentávamos sobre o que deveríamos fazer, veio ao nosso encontro uma jovem senhora e ofereceu hospedagem para nós. Ela era tímida e estava bem envergonhada, semblante preocupado e muito abatido. Tentamos conversar com ela, mas respondia o mínimo possível.

Sua casa era bem perto e fomos caminhando com ela. Ficava em um bairro bem pobre, numa rua em frente à linha de trem. Era um casebre, sem conforto, de apenas dois cômodos, bem velho, com poucos móveis. Essa jovem senhora dormia num quarto minúsculo com o esposo e um filho pequeno. O outro cômodo era maior, dividido entre a cozinha, um sofá e uma cama de solteiro onde um senhor de idade dormia e tossia muito. Havia um banheiro bem pequeno, fora da casa.

Bem envergonhada, a jovem senhora nos ofereceu o sofá, tentando explicar que era tudo o que tinha. Entendemos que não havia travesseiro e nem cobertor ou lençol.

Agradecemos, felizes por ter um lugar para passarmos aquela noite.  Aquela foi uma longa noite. Revezamos entre nós: uma vez uma deitada e a outra sentada e assim passamos a noite. Quando estávamos quase cochilando, ouvíamos o barulho do trem (e toda a casa parecia estremecer) ou então ouvíamos a tosse do senhor na caminha no canto da sala.

Quase ao amanhecer, estávamos pegando no sono, quando ouvimos um barulhinho de vassoura. Era a jovem senhora varrendo a casa. Sentimos o cheiro de café, mas não vimos nada na mesa, nenhum pão, nem sequer leite. Agradecemos por nos ter recebido e nos despedimos.

Eu nunca me esqueci dessa situação, tanto com relação à minha amiga, como dessa estadia. Aquela jovem não nos conhecia. Era muito pobre e, pelo que percebemos, não tinha o suficiente para comer. Mas ela não sabe que exerceu perfeita hospitalidade. Não tínhamos onde dormir e nem condições para pagar um lugar. Aquela jovem senhora deu o melhor que tinha para nós, naquela noite. Ela demonstrou o amor prático a estranhos. Não conseguimos dormir ou descansar, mas sou grata a Deus por ter usado a vida daquela mulher para nos abrigar naquela noite.

Não sei tudo o que ela estava passando e nem sei como vive hoje, mas ela fez parte da minha história e me ensinou um pouco mais sobre hospitalidade. Ela me ensinou a amar através de um simples gesto e dar daquilo que tem, mesmo não sendo exatamente o que gostaríamos de oferecer.

Em outra ocasião, eu fui a uma igreja (juntamente com um grupo de alunos do Seminário) para divulgar a obra missionária. Após a EBD, cada um de nós foi para a casa de um dos irmãos que faziam parte daquela igreja. Uma mulher bem alegre e simpática chegou até mim e, satisfeita, disse: “Você vai pra minha casa!”. O seu esposo e os filhos já tinham ido e ela ficou me esperando, pois eu estava acertando alguns detalhes para o culto à noite.

No caminho até a casa daquela senhora, fui bombardeada com perguntas sobre minha vida; como conheci o Senhor Jesus; o que me levou a servir-lo na obra missionária auxiliando no treinamento de obreiros. Ela se mostrava muito interessada e feliz por estar comigo. Disse que sempre quis receber uma missionária em sua casa. Senti-me constrangida, pois não merecia ser tratada com tanto valor. Afinal, ela também era uma serva de Deus que o amava e desejava fazer Sua vontade.

Um pouco semelhante à outra história que contei, essa mulher e sua família moravam numa minúscula casa, quase sem iluminação, de apenas um cômodo em que um córrego malcheiroso passava por trás.

Seu esposo e filhos também me receberam muito bem e me deixaram sentir à vontade. Não me lembro exatamente o que comi no almoço, mas foi um momento bem gostoso. Lembro-me que à tarde, ela preparou um bolo de mandioca e café. Isso me marcou porque o esposo tinha saído logo após terminar a EBD para passar na feira e comprar a massa de mandioca, pois sua esposa queria muito oferecer seu bolo preferido à missionária.

Naquele dia eu havia ido àquela igreja para desafiá-los à obra missionária, no entanto, Deus usou aquela mulher e sua família para me desafiarem a amar, através de atos de hospitalidade.

Muitas vezes deixamos de exercer a gentileza da hospitalidade porque achamos que não temos o necessário ou não temos algo melhor. E isso é orgulho. Essas histórias me ensinaram que hospitalidade envolve amor e gentileza e que não importa o que eu tenha para oferecer, mas minha atitude em dar o melhor de mim e do que tenho é que vai abençoar as pessoas.

 

Fotografia: Alisa Anton on Unsplash

 

 

 

 

 

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8 comentários sobre “Gentileza sem medida

  1. Dulce, nesta leitura e em sua experiência, aprendi o que significa uma verdadeira hospitalidade e amor. Não é o que gostaríamos de oferecer, mas o amor em nós acolher com o que temos. E com muita alegria. Uma leitura abençoada logo de manhã. Obrigada por compartilhar está sua preciosa experiência. Deus seja louvado, sempre, por sua bondade, amor em nos ensinar em cada situação.

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  2. Parabéns prima , que Deus continue te abençoando e te usando na obra . Linda sua história , hoje em dia hospitalidade e gratidão está se tornando raridade , mas eu creio que , se cada um fizer um pouquinho pode haver mudanças . Um abraço . Saudades

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