Uma xícara de chá na madrugada

Sou dessas que, quando chateada, fico calada. Vou franzir a testa, olhar para o lado e não querer mais conversa. Perdi um pouco o costume de deixar minha boca que nem um bico de tucano, mas a cena ainda continua dramática e cômica, com todo um apetrecho de novela mexicana. Não me orgulho nem um pouco de tal atitude, ainda mais porque é um defeito que carrego desde a infância em não saber expressar muito bem minha frustração. Confesso que estou melhor. Tem vezes que falo logo que não gostei e tento estabelecer um diálogo mais amigo, mas muitas das vezes ainda faço toda essa cena.

Grande parte de como agimos é nada mais que um reflexo da nossa relação com Deus. Pelo menos comigo é assim! Louvo e dou graças porque Ele é um Deus pessoal e isso facilita tanto minha relação com Ele. Apesar de pedir que jamais esqueça que Ele também é Deus e que é necessário respeito e temor diante dEle. Mas é algo tão libertador. Posso me aproximar com mais abertura. Não existe nada melhor no mundo do que encontrar alguém que viveu como nós. Isso sempre me encantou, essa relação amiga e ao mesmo tempo de devoção. Todavia, isso não me poupou de me sentir frustrada em relação a Ele.

Lembro que foi em uma época que havia acontecido várias mudanças na minha vida. Com elas vieram várias coisas boas. Não esqueço de então, comentar com uma amiga que “agora sim, tudo estava indo no seu percurso certo”. A calmaria chegou e era o momento de banquetear as bênçãos. Não passou nem um ano e as tempestades chegaram àquela mesa. Foi então que franzi a testa, olhei para o lado e fiz bico. Não falei nenhuma palavra com Deus. Na minha lógica Ele sabia quão machucada estava e como ficara chateada com tudo aquilo. Não queria nem ao menos proferir qualquer palavra para falar sobre a minha insatisfação.

Se passaram dias e dias, e lá estava eu calada com a testa franzida para Deus. Como se Deus se movesse através de birra. Não era minha intenção. Só queria ficar calada, sem dizer nada. Os dias foram passando. Sabe quando você briga com um amigo e fica muito tempo sem conversar e depois que os ânimos melhoram bate uma vergonha misturada com uma falta de jeito de começar qualquer diálogo? Foi assim! Havia revisado várias vezes o que aconteceu, não estava com raiva, apenas uma chateação. Porém não conseguia chegar perante Deus e dizer qualquer coisa.

Naquela época estava acontecendo no grupo de jovens da minha igreja o “Relógio de Oração”. Sem saber, meu nome foi colocado no relógio. E, sem saber também, me colocaram para orar às três horas da manhã. Me envergonho de tal pensamento, mas pensei da seguinte forma: “Acordo, oro deitada e durmo logo em seguida”. Acontece que quando deu o horário a pessoa que havia orado até às três da manhã me telefonou. Fiquei tão envergonhada por ter pensado na atitude apenas de orar rapidamente e voltar ao sono que resolvi levantar. Como estava muito frio, desci fiz um chá e sentei no sofá da sala.

Toda a casa estava em absoluto silêncio. Fiquei pensando que se alguém acordasse e me visse ali sentada no sofá com aquela xícara de chá às três da manhã, me acharia uma repleta esquisita. Me senti bem naquele silêncio. Olhei para o outro sofá vazio ao lado. Me passou pela cabeça Cristo ali sentado também com uma xícara de chá. O relógio da cozinha batendo me fazia lembrar que deveria começar a orar. Agora era o momento que deveria falar com Ele. Tomei mais um gole de chá e proferi as primeiras palavras: Senti sua falta. Estava mesmo com saudades dos nossos diálogos, do momento tão precioso de firmar meu coração com o dEle.

Lá estávamos nós dois, naquela sala nada vazia. Entre sussurros, para não acordar os demais da casa, conversamos sobre tudo, coisas que compreendi e outras que, apesar de não compreender, aceitei a vontade através da sua soberania. O chá já estava mais frio, todavia meu coração não. Estava quente na retomada do diálogo, na retomada da intimidade, do ensinamento, da aprendizagem, da correção, de entender certas passagens que tanto havia lido na Bíblia. Lá estávamos nós dois na madrugada, retomando a intimidade. O dia já estava para clarear e agora era a vez de ligar para a próxima pessoa. Telefonei, subi ao quarto, deitei na minha cama e dormi em paz como não fazia há tempos. Não tive minhas questões todas respondidas, não tive minha chateações sanadas, mas dormi com a certeza que muitas outras xícaras de chá deveriam ser bebidas. Não como algo opcional, mas uma necessidade vital.

Fotografia: FreeBackgrounds

 

 

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