Já perdi a conta de quantas vezes passei por começos e recomeços, acompanhando meus pais missionários. Quem tem pais militares e diplomatas sabem bem do que estou falando. Antes mesmo de terminar a oitava série, eu já havia mudado de escola 12 vezes, e a cada vez não era apenas a escola que era diferente, mas também a casa, a cidade, o estado e praticamente a língua também era diferente (sim, o português das Minas Gerais é muuuito diferente do Português do oeste do Pará, que também não é o mesmo de Manaus).
E então era assim, tudo novo sempre.
Antes que você se sinta sensibilizado, puxe uma caixinha de lenços e comece a imaginar quanto sofrimento vivi, devo dizer que eu não sofri! Guarde os lenços pra mais tarde. Ao contrário do que você deve estar pensando, as mudanças não me assustavam e dizer adeus não me incomodava. A novidade do que viria a seguir e a empolgação em desvendar o desconhecido me tiravam o pensamento do que havia ficado para trás.
Todas essa idas e vindas me fizeram perder algumas das belezas e especificidades de uma vida com raízes. Mas também desenvolveram habilidades únicas em minha personalidade e caráter que me são muito úteis na adaptação ao mundo atual globalizado e de fronteiras tão voláteis. Acredito até que me saí uma adulta bem normal! Talvez alguns não concordem com essa afirmação e, deixo a critério do leitor julgar minha sanidade.. hehehe…
Ocorre que nem todos são moldados para este estilo de vida. Meu irmão, por exemplo, (desculpe maninho, vou citar você) detesta mudanças! Ele seria a pessoa mais feliz do mundo se tivesse nascido, crescido e vivido sua vida inteira em um único lugar, e se todos ao seu redor fizessem o mesmo. Ele gratamente escolheria ser um sólido carvalho de raízes largas e profundas, com uma copa espessa e frondosa, desfrutando da chuva e do vento e abrigando passarinhos e outros pequenos animais. Cheio de vida mas, vida conhecida, estável, segura e previsível, ah, previsível!
A rotina de constantes começos e recomeços demandava um gasto de energia muito maior do que ele podia oferecer. O maior desgaste não eram as malas carregadas de cá pra lá, ou pertences deixados para trás. Suas maiores dores e perdas não eram físicas ou monetárias. O custo mais alto era cobrado de seu coração – o esforço, tempo e emoções empreendidos na construção de novos relacionamentos, apenas para tê-los arrancados do seu peito na próxima mudança.
O constante “oi, eu sou fulano” seguido de “tchau, até não sei quando” o levou ao ponto de um dia decidir que não iria conhecer ninguém mais, para não ter que dizer adeus. Em uma das mudanças ele se trancou em seu quarto por algumas semanas, evitando qualquer contato humano, morrendo de medo de se apegar novamente, e de novo ter que dizer adeus.
Bom, eu também não gosto de despedidas, não por serem doloridas, mas porque as acho desnecessárias. Levo comigo todos esses relacionamentos na memória, e sei que volta e meia a gente acaba se esbarrando de novo!
Lembro-me de uma vez, no meu primeiro ano de faculdade, quando fui ao acampamento da igreja nova, tentando fazer amigos novos, na cidade nova onde estava morando para estudar. Durante as apresentações, uma moça me olhava insistentemente e ergueu as sobrancelhas em espanto ao ouvir meu nome – sim, meu nome é diferente, mas havia algo mais. Ela então veio falar comigo: “-Celinda… que nome diferente… só conheci uma Celinda na minha vida”. Opa! Conheceu??? Então me conte, porque nunca encontrei outra. “-Ah, estudamos juntas na segunda-série da escola, e apenas por seis meses, nem deu pra conhecer tanto assim”. Ai ai ai.. o que aconteceu? “-Ela se mudou. Ela se mudava bastante. Meio esquisita. Já tinha até morado em uma tribo indígena!”. Hahahahaha… É você acertou. Essa Celinda, era eu!
Realmente, inícios de relacionamentos são assustadores. Há sempre muito em jogo: E se não gostarem de mim? E se eu não gostar deles? E se me decepcionarem? E se eu os decepcionar? E se não pudermos nos livrar um do outro? E se eu não quiser me livrar do outro? E se destruírem meu coração…
Você começaria um relacionamento já sabendo que não vai dar certo? Você colocaria nele o seu coração, tempo, dedicação? Quanto você investiria nele?
Desde que o tema desse mês nos foi dado, uma passagem não sai da minha mente: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. […] e o Verbo se fez carne, e habitou entre nós“ João 1:1 e 14. Ele estava lá desde o começo. Ele começou tudo, Ele criou tudo. Ele conhecia sua criação e como o dono do tempo ele anteviu toda a História. Ele sabia o que ia ser, sabia que ia dar zebra! Mas, mesmo assim, se fez carne e habitou entre nós… Ele investiu tudo!
Jesus se submeteu a deixar sua glória para nascer como homem (em um curral) e viver como homem – sentir dor, fome, saudade, surpresa, alegrias e tristezas, ir ao banheiro e ao mercado, e se relacionar com gente. Gente a quem ele havia pessoalmente desenhado e criado, e que não o reconheceu. Gente para os quais ele veio, e que não o recebeu, e não só isso, mas também o crucificou.
Ela sabia que seria traído. Não só naquela noite no Getsêmani, mas todas as vezes que pecamos novamente, os mesmos e velhos bons pecados de sempre. Ele sabia que seu coração seria moído, por milhares e milhares de anos, de novo e de novo. E que todo seu esforço pareceria em vão. Ele sabia que seria rejeitado, desacreditado e ridicularizado não só naquele século, mas por centenas e centenas de gerações. Ele sabia… Mesmo assim escolheu começar tudo. Começar o universo, começar a vida, começar um relacionamento conosco. Ele escolheu investir tudo, deu tudo o que tinha, até a própria vida, sua graça e verdade, para que aqueles que o receberem sejam feitos filhos de Deus.
Nós, que fizemos sangrar o coração do Amor, hoje vivemos em com medo de iniciar relacionamentos. É a gravidez que não é celebrada até o quarto mês por medo de um aborto; o casamento que é sabotado diariamente por medo do que poderia dar errado; os amigos que não são feitos por medo da competição; vizinhos que não se conhecem por medo da exposição; relacionamentos que não são iniciados por medo do desconhecido; oportunidades perdidas por medo de doer.
Quem sou eu para recusar um relacionamento? Quem sou eu para decidir quanto é o bastante para investir na vida de alguém? Quem sou eu para temer pelo meu próprio coração quando traspassei o coração daquele que mais me amou?
Relacionamentos são imprevisíveis, trabalhosos, muitas vezes confusos e nem sempre gratificantes. Gastamos muito tempo analisando riscos e tentando prever o futuro, quando deveríamos deixar de lado todo o medo e investir tudo. Ao pensar em começos, não posso deixar de me admirar, mais uma vez, com aquele que não levou em conta os riscos, mas apenas considerou o valor que atribuiu a cada um de nós. E Ele decidiu que valia a pena.
De pedaço em pedaço se desmancha um coração. Mas, de pedaço em pedaço também, se constrói seu coração.
Fotografia: Unsplash
Que inspirador, amei a frase ” Gastamos muito tempo analisando riscos e tentando prever o futuro, quando deveríamos deixar de lado todo o medo e investir tudo. CONCORDO ♥ Conheça e Siga meu blog Azamoridade, leia meu texto sobre o amor ♥ http://wp.me/p8ku5L-2l Obrigado!
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Obrigada por ler e deixar seu recado… vou ler seu texto sim. 🙂
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Muito lindo esse paralelo. Eu sou mais parecida com o temperamento do teu irmão. Mas o exemplo do nosso Jesus é bem inspirador mesmo. Não julgou vantagem ser igual a Deus, veio à terra, se entregar por nós e restaurar a conexão dele conosco! ❤
Obrigada por me inspirar nesse dia! :*
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Oi Mi,
Que bom saber que essas minhas andanças serviram de inspiração, até mesmo para os que não apreciam andanças… hehehe..
Estou aprendendo a entender e aceitar o que é diferente de mim, e isso também é investir em relacionamentos!
Obrigada por entrar na minha vida! Estou amando te conhecer…
Beijinho.
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Mto bom! Li junto com minha filha, pois tbm vivemos essa realidade. Mudanças não são fáceis, mas podemos sim aprender mto com elas. Um abraço querida.
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Oi Beth, que bom ver você aqui no karissimas.
Pois é, esse é um tema muito sensível na vida de muitos com a história de vida que temos… Que bom saber que podemos nos encorajar umas às outras.
Grande beijo pra você e sua filha. 🙂
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